sábado, 28 de novembro de 2009

Ingenuidade 2 e o Abismo do social: reminiscências infantis

    Hoje eu fui visitar a área que passei "toda" minha infância (1994-2002). Evidentemente que não foi a primeira vez que voltei lá no Serrambi II, mas hoje foi diferente, tem sido tudo diferente ultimamente. Hoje eu fui com um olhar mais crítico e pela primeira vez desde que saí, eu andei por cada espaço onde brinquei de esconde-esconde, polícia e ladrão, garrafão (alguém ainda lembra as regras do garrafão, aquele de bater no povo?), briguei (com direito até a sangue na cara, do outro é claro), chorei, rir, joguei bola, (sim, eu joguei bola sim uma vez na vida: como goleiro ou árbitro, não preciso dizer que adorava ser o árbitro e não preciso dizer que o povo amava quando eu era o goleiro, sempre fui alto). No mais, de ímpeto eu percebi como as coisas são pequenas e como eu as achava grandes demais.
     Das milhões de coisas que lembrei lá, como das árvores que subia (que não estão mais lá), da lagoinha que costumava ir com os amigos, mesmo minha mãe me proibindo (que agora é um condomínio luxuoso), do assassinato de um cara por engano lá por ciúmes de outro, do suicídio do vizinho do prédio da frente, dos lugares que sentava com os amigos para conversar porcaria toda noite (mentira, era só às vezes, saía muito pouco de casa), do lugar exato onde descobri que morria de medo, medo mesmo, de sapos e similares, dentre outras coisas, quero falar de duas que me marcaram muito: o dia que fui chamado para brincar de esconde-come (presta atenção, é esconde-COME) e quando fui na casa de um amigo da comunidade mais pobre, próxima aos prédios e o que a irmã dele me falou.
     Pois bem, eu no auge de minha total inocência estava com uma colega minha caminhando por aquele calçadão que circunda o condomínio todo e ela de repente fala: " se eu te chamar para brincar de uma coisa você vai"?, eu disse: "depende (já respondi com medo - eu sempre digo 'depende' quando estou com medo)". Ela disse: "bora brincar de esconde-come" ai eu disse na hora: "vamos, por que eu não iria?". Só que, conversa vai, conversa vem, a tarada começou a repetir a porra da pergunta e sei entender nada. E realmente não estava entendendo direito porque eu estava escutando "esconde-esconde", estava entendendo a brincadeira original. Agora você quer saber se eu fui quando descobri a verdadeira brincadeira, não é? Respondo não e créu.
     Outro caso, não tanto interessante, mas importante para mim, foi quando eu tive o meu primeiro contato direto com a distinção social, com o abismo que separa as classes sociais (bem geográfico isso, não é? Estou emocionado). Eu fui na casa de um dos amigos meus da época (tenho contato com ele até hoje), só que ele não morava dentro do condomínio, morava na comunidade próxima. Pois bem, eu estava lá na casa dele e a irmã dele chega e olha para mim com uma cara de nojo e do nada começa a dizer que eu estava no lugar errado, que o povo que morava ali (o 'povo' era eu e 'ali' era no Serrambi) vivia os discriminando e por ai vai. O que mais me intrigou e, na verdade, esses pensamentos eu tive depois que entendi a dialética social, é que aquela menina estava com raiva de mim não porque eu fiz algo errado, mas por quem eu era, ou pior, por onde eu morava! Ou seja, eu estava ali sendo atacado, em território 'inimigo', por ter um pouco mais de dinheiro que ela. Deve ser assim que iniciam as grandes guerras civis no mundo a fora.
     Estes são os detalhes que mais lembro. Depois lembro também que o irmão dela disse para eu não ligar  para ela e tal e depois ela mesma viu que os que moram "após o muro" também podem prestar. Bem, espero que tenham gostado desse texto, ou melhor, dos dois últimos, pois fazem parte da história que me fez ser quem eu sou hoje, por mais que seja uma metamorfose ambulante.

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